sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A estagiária

"Então mas ainda ninguém foi lá abaixo?!" - perguntou o fotógrafo.
"Não!" - respondeu alguém - "O que é que se passou?"
A redacção parou.
Olhei pela janela encostada à minha secretária. Um carro da PSP estava estacionado à porta do prédio em frente ao jornal.

"Assaltaram a casa de um velhote agora mesmo."
"Eu vou lá abaixo." - respondeu a jornalista a quem estavam entregues os casos de polícia.
Eu levantei-me e segui-a, sem pedir autorização. Tipo sombra - A estagiária. Descemos as escadas em passo acelerado. Quando chegámos à entrada do prédio já estavam alguns vizinhos alarmados.
"Quem são vocês?" - perguntou um tipo que já tinha fama na redacção, por ser parvo.
"Somos jornalistas!"
"Jornalistas?! Opa ponham-se a andar!!! Mas o que é que vocês vêm aqui fazer? Não vão apanhar o gajo, ponham-se na rua!!!" - disse o atrasado mental em tom agressivo, e aqui percebi que nem sempre é fácil exercer a profissão.
Ignoramos e a jornalistas começou a recolher dados através dos vizinhos.
No cimo da escada, a porta do rés-de-chão esquerdo encontrava-se entreaberta. Momentos depois, saíram dessa porta dois PSP e 80 anos de um homem agredido. Um homem que poderia muito bem ser meu avô.
Segundo nos contou, quando chegou à sua rua viu um tipo encostado à porta. O ladrão meteu conversa com ele, disse que era amigo da filha e que tinha ido lá a casa para cobrar uma divida. O Sr. não o conheci-a. O Sr. caiu no erro de abrir a porta e entrar para o hall do prédio. O ladrão entrou. O Sr. caiu no erro de abrir a porta de casa, mas não a fechou a tempo. O ladrão entrou. Agrediu-o, atirou-o ao chão, procurou e remexeu toda a casa à procura de dinheiro. Acabou por encontrar 3000 euros metidos em envelopes. Tinha o dia ganho e saiu porta fora. O idoso combalido foi acudido por uma vizinha alguns minutos depois.

E tudo se passou ali... debaixo da minha janela, debaixo do nosso nariz, a escassos metros da redacção.
A impotência deu lugar à revolta. A imparcialidade deu lugar à tristeza. E a vontade teve quase, quase perto de uma lágrima e de um abraço. Mas A estagiária não podia...


Não sei se tenho estofo para enfrentar um Mundo onde a dignidade custa 3000 euros.
Provavelmente A estagiária não passará daí.


1 comentário:

Meia Manga disse...

...e eu a saber como resolver estas situações